domingo, 17 de maio de 2009

Segredos do chef.

Come chocolates, pequena; Come chocolates!/Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates./Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria”, lê-se lá pelo meio na “Tabacaria” de Fernando Pessoa, provavelmente um estratagema a extirpar a culpa dos comilões; não há o pecado da gula.
Não tomo leite, não como mel – ainda assim compro 1 kg de mel por mês de um ex-colega de trabalho, pois conheci o frango ao forno dourado por pinceladas de mel - especialidade de Adriana Simonin; que um dia será feito por este que vos escreve em louvor ao mel e a suas sagradas aplicações.
Cozinho com freqüência na casa de uns amigos; um deles não come cebola e afins, o outro é alérgico a tomates, todavia, não os desagrado; é possível sim preparar pratos sem cebola e tomate. Bem, talvez não na Itália como igualmente não seria plausível imaginar a culinária francesa sem o leite, a manteiga e a pimenta do reino. Desafio é cozinhar para alguém especificamente, que se contenta com nissin, Doritos e vive a dizer “é que não sou muito das carnes”.
Há um milagre na junção do azeite ao interior das nozes e a algumas folhas de manjericão. Tira-se algo aqui e acrescenta-se lá; substitui-se e sai do forno uma nova versão que terminará no mais básico e trivial dos rituais, a mastigação. Por que tanta reverência para afinal acabar num ato vital e salivar?
Antropólogos e sociólogos teriam a resposta na ponta da língua. A comida é a mais intrincada sutileza das culturas. Pelos hábitos culinários das civilizações, a evolução dos modos à mesa, a disposição dos talheres e as técnicas de cocção, revela-se o cerne do processo civilizatório. Não considero exagero a afirmação, mas tenho minha própria assertiva. Evoco, de novo, a felicidade e a frugalidade dos instantes. Não pode haver satisfação humana maior do que preparar uma refeição para quem se gosta, ama ou admira. Vejam como se multiplicam as encomendas de lofts aos arquitetos com aquelas grandes cozinhas sem paredes, integradas ao living. Passar do cru para o cozido ou mesmo dispor folhas verdes em um prato é a arte que sobrou aos normais, à média. A cozinha, senhores, é a moldura dos que não manejam pincéis, não dedilham cordas, não fazem rir ou não encantam com a própria beleza.
Já não como chocolate com a mesma verdade que comia antes, lambuzar-se. Mas me inspiro no tomate, o mais diverso dos alimentos. Devo experimentar de tudo, inclusive do quibebes e da carne de porco, desvendar o sabor das culturas, cheiro das ervas, tomilho e tudo que vier com tomate virá bem. O tomate, fruto bonitinho da planta asquerosa, tão sociável que cai bem com tudo.
Não me espanta a infelicidade da amiga Jane que é alérgica ao tomate e por motivo igual não come chocolates.

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