quarta-feira, 17 de setembro de 2008
Uma noche mas.
A casa ficava na base de uma coxilha num terreno bastante arborizado. Já caía a noite a as pessoas chegavam umas sós, outras em grupo e entravam pela porta da frente. Não se sentia frio nem calor. As luzes de velas e lampiões bruxuleavam no interior da habitação - podia ver pela janela - acusavam que não havia luz elétrica no local.
Entrei. O caixão estava bem no centro da sala sobre um tapete estampado. Apenas uma coroa de flores ornamentava a cerimônia e duas lâmpadas incandescentes substituíam as tradicionais velas. Será um sonho? Afinal, só em sonho seria possível acender lâmpadas em uma casa sem energia elétrica.
Conhecia muitos entre os que prestigiavam o velório, quase a totalidade, na verdade; eram amigos ou conhecidos, e a primeira com quem tentei conversar era a senhora que servia o café com biscoitos; sabia que a conhecia, mas não me recordava o nome. Perguntei-lhe quem eram os parentes do morto, mas ela não me deu ouvidos. Seguiu servindo café às pessoas sentadas em cadeiras de PVC branca, em duas fileiras que ladeavam o caixão. Logo reconheci a moça loura da Rodoviária que se disse triste por ter rompido com o namorado há poucos dias e também o barman do St. Patrick Irisch Pub que cursava música na Universidade e trabalhava à noite para complementar a mesada que recebia dos pais.
Ouvi uma mulher falar que não gostava de velórios, mas que não podia ter deixado de vir àquele; tinha motivos fortes para tanto. Ela não revelou o motivo, mas devia ser mesmo forte, pois ela demonstrava um sofrimento aparente. Sempre fico perplexo ao ouvir a frase "não gosto de velórios", pois não considero crível que alguém goste de velórios, além do papa-defuntos é claro, mas estranhamente, naquele caso, tive uma outra compreensão da sentença.
O padre chegou, mas tive dúvidas se era realmente um padre, pois ele me pareceu ser um amigo carioca que nas horas de folga atua no teatro. De repente, meus dois amigos Tuio e Guilherme apareceram, pegaram violões e começaram a cantar "Las horas fueram pasando lentamente, y aquel momento sin igual , que vivirá eternamente, no se irá en mi alma siempre estará". Era "Uma noche mas", uma de minhas canções preferidas e por isso me senti fortemente impelido por uma inquietação, uma vontade ansiosa de ver quem ocupava o caixão no centro da sala, que logo foi aplacada pela visão de meu próprio corpo acomodado sobre o cetim roxo.
Outra canção não poderia ser mais apropriada, pois apesar de estar em paz, senti o quanto importante seria uma noite a mais.
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