Há dias precisava ir aos Correios, mas a preguiça, inicialmente, e depois a preguiça e a chuva, uniram-se na tarefa de me convencer a adiar este ato sem importância. Não sou muito de planejar coisas assim simples, deixo o planejamento para as grandiosas e bem remuneradas. Estas coisas simples as faço por contingência e então, em nome dela, obriguei-me, numa tarde ainda chuvosa, a descolar meus glúteos da cadeira. Enfiei um DVD dentro de um envelope, depois de tê-lo enrolado em muito jornal e fita crepe, preenchi o envelope, peguei o guarda-chuva novo e saí em direção aos Correios da Venâncio Aires.
Na saída do bairro, Vila Nova, deparei-me com a indefectível parede de vagões da ALL. É impressionante como cada vez eles são mais numerosos. Passam de cem, por certo. Poderiam ser utilizados como indicador da atividade econômica. Fazem isto com o consumo de cartão corrugado que é utilizado para fazer embalagens. Bem, se podem, significa que nossa economia cresce em ritmo asiático, assim como o tempo às margens dos trilhos. Já esperava há mais de 10 minutos, começou a cair uns pingos e talvez não pegasse a agência aberta. Tive sorte, porém, e a passos largos alcancei a avenida Freitas Valle e de lá os Correios. Fiquei um pouco perdido com o novo sistema de filas, mas o gerente me orientou e eu consegui, enfim, enviar o tal portifólio.
De novo, na Freitas Valle, testemunhei uma cena insólita e comovente: uma mulher chorava quase a beira do desespero, amparada a um muro de umas das belas residências da avenida. Caía uma chuva branda. Os que passavam, talvez também se comovessem, mas seguiam, sem prestar socorro, constrangidos pelo sofrimento tão genuíno. Se ela gritasse, quem sabe, eles se sentiriam mais à vontade para ajudar, mas ela apenas soluçava; o rosto encharcado de lágrimas e chuva, as pernas trôpegas. Eu interferi, aparei-a e a conduzi até o carro-lanche da esquina. Dei-lhe água, mas fiquei em silêncio, sem perguntas. Então, ela já recomposta, entre soluços e como quem se sente na obrigação de dar uma explicação, disse que minutos atrás havia rompido com seu namorado. Explicou que não era bem um namoro e sim um envolvimento informal, pois ele tinha uma noiva; médica, no Paraná. Mas ainda assim o amava, dizia sem precisar dizer. Ela tomara a iniciativa do rompimento, não se veriam jamais, pois estava cansada daquelas migalhas e em dois dias sairia da cidade, por um longo período. Diante desta resignação, pensei, por que então tanto sofrimento e sem que pedisse - revelou a mulher - ele só via a noiva a cada três, quatro meses, que nem sequer uma foto dela sobre a escrivaninha ele colocara, não havia rastros da vida dela na dele, nenhum indício, nome, filmes, poemas e músicas preferidas, mas ainda assim ele preferia “a doutora paranaense”. “O mais doloroso” disse ela “é não saber se eles têm planos”. Atormentava-a o fato de não saber se eles planejavam uma vida lado a lado. Ela sim tinha planos: decorar uma casa juntos, fazer espagueti nas quartas-feiras, ir a Gramado no Natal, quem sabe comprar um apartamento juntos, ter três cães e um filho. “Será que eles têm estes planos ou outros planos?”. Ela agradeceu-me com um beijo no rosto e foi embora e quando deixou a cobertura da lachonete, uma chuva torrencial desabou e ela seguiu pela rua de alma lavada.
Depois disso, se não já gostava de planos, decidi gostar ainda menos.
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