
NARRADOR: Jader silenciou por que sabia que o barman estava certo. Não há como anular tudo de uma só vez. Não é possível extirpar um sentimento até a raiz. Há sempre uma fagulha, uma lufada de vento e tudo volta. Não se anula a pessoa amada sem sentir-se, também, anulado sob o amor. A imagem de vê-la só, abandonada a sua sorte, excluída do sentimento que antes suscitara promovia uma culpa pungente em Jader e logo ele se auto-reprovaria em abandoná-la. Este era o maior temor de Jader, que o vazio do quarto despertasse o seu vazio pessoal. Uma reviravolta e, pronto, para desanulá-la ele se obrigaria a sofrer novamente.
- JADER: Então, como é que fica?
BARMAN: Fica na mesma, deu empate.
- Me refiro ao campeonato. Me sirva a última taça.
- Não sei. Não vi a tabela. Sauvignon?
- (ele ri) Tanto faz.
- Não vai querer te embriagar hoje?
- Não é que eu não queira. Sabe como é, não devo.
- Ué! E onde estava todo aquele controle?
- Mas isso é controle, auto-controle. Se bebo, posso perde-lo rapidamente. - - Então vou beber este cálice e vou embora. Minha cama me espera quentinha....
- E vazia.....
- Mas tchê, tu é meu amigo ou amigo da onça?
- Quer saber mesmo? De nenhum, sou apenas o barman.
- E o barman não tem amigos?
- Tem. Claro que tem. Mas não é aqui que me encontro com eles.
- Te entendo. O balcão é a privada dos desesperados. Mas não é o meu caso.
- Não foi eu quem disse.
- Tá bem, mas acho que tu é bom amigo, ou ao menos seria.
- Obrigado!
- Não agradeça. É sincero. Me dá a conta. A rua está deserta. O bar está vazio.
- Veja só, o senhor é sempre o último a sair.
- É mesmo? Não tinha reparado nisso?
- Mas é só olhar em volta e não se incomode, o senhor é sempre bem-vindo. (Jader se despede e sai)
Trecho de uma cena da peça "O último a sair". EU, brincando de dramaturgo. Em breve, no Teatro Mensageiros.
Um comentário:
Cara, parabéns. Gostei muito de tudo. Tô mandando um mail sobre o assunto.
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