
Sem dúvida há vantagens óbvias nas viagens solitárias. A mais clara me parece ser a de não ter que seguir roteiros pré-estabelecidos. O viajante só escolhe destinos movidos pela percepção momentânea, pelos sentidos, como uma mudança na direção do vento e isso é irresistivelmente prazeroso.
Pense nas excursões, promovidas por operadores de turismo, o transporte parece sempre seguir a direção contrária a nossa vontade; toma uma estrada de asfalto, enquanto queremos uma estrada de terra bem empoeirada, cuja seta em cruzamento indica “queda d’água” , a qual, inexoravelmente, vai ficando para trás, emoldurada pela traseira do ônibus. Melhor abrir as janelas pra sentir o vento na cara, mas elas estão lacradas e a brisa refrescante provém de um ar-condicionado. Quando se quer mergulhar numa piscina natural ou se jogar numa rede na praia, é hora de conhecer um povoado e comprar souvenires. O viajante solitário não experimentará isso; ele poderá seguir as setas que escolheu, as trilhas menos exploradas e os recantos mais secretos, refúgios da molecada local, e depois, se não tiver gostado do que viu, retornar ao que deixou para trás.
Há um detalhe pitoresco sobre as fotos, pois não há viagens sem elas. O viajante solitário só aparecerá em superclose nas que ele tirou dele mesmo ou a não ser que um gringo educado faça a gentileza de fotografá-lo, só trará fotos de paisagens na bagagem e essas em superclose limitadas pela extensão do braço, mas ele fará mais amigos e contemplará melhor os entardeceres.
Se ele quiser cair na balada e de lá sair carregado, é simples, a solução é fazer amizade com um taxista ou um barman e talvez seja prudente carregar um cartão com o endereço da hospedagem. No entanto, o mais provável, é que ele volte carregado por alguém que conheceu lá, na balada; os viajantes solitários se reconhecem na multidão.
Mas o melhor da viagem só está por vir, está sempre por vir e é exatamente o inesperado. Numa tarde, lá pelas seis, ele estará sentado em frente a uma Igreja Barroca em algum litoral, luxuosamente decorada para a festa do Divino, e encontrará um grupo de senhoras sexagenárias, relativamente perdidas. Ele decidirá por acompanhar aquele grupo de velhas aparentemente felizes a despeito de tão proximidade com o fim. Ele sabe onde fica a casa do festeiro de onde sairá a procissão, evento central da festa e motivo solene da vinda delas. E novamente e inesperadamente, sentirá aquela mesma vontade irresistível, nesse caso, a de seguir junto às bandeiras vermelhas e pombas brancas, e junto às senhoras que parecem aproximá-lo de casa, pois está longe, mas assim percebe que nem tanto. A música, a cantoria e os fogos atrairão as pessoas que encherão as portas e janelas. Outras seguirão à procissão e dirão coisas simpáticas ao viajante solitário e o convidarão a visitar suas casas, ao descobrirem de onde ele vem.
O viajante solitário, já cansado de estar só, perceberá que poderá encontrar alguém que conhece superficialmente lá de sua terra natal, mas que vive por ali, está por perto. Ficará surpreso com a qualidade da recepção, ele revela-se um bom amigo, e conhecerá seu filho, que se chama Bernardo e sua esposa, pois os viajantes solitários se reconhecem longe de casa.
Viajar só e eventualmente encontrar amigos desgarrados é tão importante quanto fazer novos amigos para essa categoria de viajante: os solitários. Os lugares por onde passa o deixarão mais perto de casa, o que não aconteceria se sua viagem não fosse só. O viajante solitário quer se autodescobrir, seu objetivo é ele mesmo, por isso despreza planos muito complexos e detalhados. Quanto mais simples e improvisado melhor será o reencontro ou a redescoberta.
Mas o viajante solitário registrará em seu diário um dia ou dois, um pôr-do-sol ou um luar, que deveriam ter sido compartilhados. Eram belos de mais para se contemplar só. Ah, a lua cheia sobre a baía não merece um só par de pegadas na areia da praia.
O viajante solitário, então, nunca se sentirá tão só e fará força para guardar os pormenores sutis e os mínimos detalhes do momento, mesmo sabendo que são os momentos mais estranhos, os de dor ou violência, que se alojam nos espaços estreitos da memória, sacudirá a areia seca que envolve a sua roupa e retomará o caminho ao pier, pois está certo que haverá outros momentos iguais àquele e que existe a possibilidade de viajantes solitários estarem no lugar certo e na hora certa e se encontrarem.
Por ora, decidirá o viajante solitário, é hora de voltar pra casa.
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