segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Conto de Natal II

Sem dizer uma palavra Josué consentiu que seu pai recolhesse o brinquedo; ele próprio enrolou o Corcel II vermelho, com sirene da polícia, e que andava sozinho com duas pilhas grandes. Usou o mesmo papel de embrulho do presente aberto na noite do dia 24. Com cuidado, tentava deixar o pacote mais parecido ao que veio da loja, pressionava as tiras de Durex que já haviam perdido a cobertura de cola e por isso não fixavam mais, alisava o papel e depois o dobrava guiado pelas marcas deixadas pelas laterais da caixa de papelão. Esperava por algum acontecimento furtivo que mudasse a situação. Havia uma fagulha de esperança, tinha fé: se o brinquedo fosse devolvido à loja, de alguma forma seu pai o resgataria.
- Mulher, não posso cometer essa injustiça!
- Injustiça contra quem? No guri tu não pensas...
Penosamente Josué entregou o pacote. Um sinal com a cabeça e ele consentiu que seu pai saísse levando o que fora, até a pouco, o melhor presente de Natal de sua vida. Por alguns dias ficaria macambúzio, sem mostrar os dentes, mas depois tudo voltaria ao normal.
Os amigos entenderam que era hora de cada um ir para sua casa, mesmo porque sem o Corcel II da polícia, a brincadeira perdia mais da metade da graça.
- Tchau, Josué! Mais tarde a gente volta.
Não demorou muito e a vovó apareceu sob a parreira com uma banana e um copo de leite. Antes de retornar à cozinha falou de seus planos para o reajuste da aposentadoria, que dependendo do que viesse no próximo mês, talvez desse para recuperar o Corcel ou algo que lhe se aproximasse. Samuel só agradeceu e ficou quieto. Ao sair, a velha quis que ele chorasse, pois pensava que se não fosse naquela hora seria depois, quando já homem não é mais razoável chorar. Mas ele não chorou.
Dias antes Plínio queimava os miolos pensando no que dar de presente para o guri naquele Natal. Sabia que queria um Gigantão, todos os guris queriam o caminhão de minério todo amarelão, tão grande que não dava no seu bolso. O guri precisava de um ki chutes, mas sabia que o decepcionaria. Procurava um brinquedo. Namorou muitos na vitrine da Obino, mas eram invariavelmente caros os à pilha. Entrou na loja, viu exposto o Corcel II vermelho com sirene e arriscou perguntar o preço para uma moça que atendia. Ela procurava pelo valor numa pasta, muitas folhas sobrepostas. “Desculpa, eu comecei hoje, ainda me atrapalho”. Era extensa a lista, mas finalmente encontrou o preço. Estava inacreditavelmente barato.
- Vou levar no carnê – disse Plínio, eufórico - Faz um pacote bem bonito tá moça? É pro meu filho.
Dia 26, Plínio chega para almoçar. Estranhou encontrar a vendedora na sala de casa.
- Tava errado o preço Seu Plínio. Se não resolver, vou ter que pagar e ainda vou pra rua.
Nos segundos que se seguiram, Plínio fez as contas que não fechavam e certificou-se de que não poderia arcar com a diferença que era grande. Que remédio senão devolver.
Josué sabia que o pai só fazia o certo, e queria ser como ele. Por isso devolveu, sem reclamar, nada de revolta, mas sabia que não ia ser fácil lidar com aquela tamanha tristeza.

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