Segunda pela manhã, primeiro dia útil após o término do horário brasileiro de verão, acordei com uma estranha vontade de me mudar para Sevilha e foi só porque ouvi João Cabral de Melo Neto dizer que foi em Sevilha que ele conheceu o povo mais gracioso entre os povos. Entre os vários “compreende?” que entremeiam suas falas, disse sobre si mesmo que sendo ele uma pessoa completamente sem graça só poderia sentir-se atraído por um povo gracioso como ele diz ser o sevilhano.
Eu não tenho graça nenhuma e falo da graça, não da análoga à beleza, não que eu tenha a segunda, mas me refiro a que é sinônimo de humor, a graça dos comediantes ou daquela mais trivial que habita a nossa vizinhança, entendida como a capacidade de contar piadas dos que são exímios no ofício do humor.
Eu nunca gostei de piadas, e sempre acreditei não gostar de piadas porque elas nunca são uma piada; após a primeira vem uma penca delas. Não tendo muito estoque de risos e muito menos de gargalhadas, logo não consigo mais rir e me constranjo.
Não gosto de piadas porque simplesmente não acho graça nas piadas. Acho graça, sim da forma como elas são contadas e pouco originais são os estilos atuais. É bem verdade que das piadas do Tuio eu costumava rir até de três, ou quatro, dependendo do quarto lunar, mas decerto é porque ele bem poderia ser um sevilhano, o que só serve para reafirmar que graça é um talento.
Já ri também do Terça Insana, do Cócegas e até do CQC, mas rio mais dos repentes cheios de presença de espírito que alguns amigos deixam escapar, sem que eles próprios reconheçam algum talento para o riso, mas que decerto têm, como os sevilhanos de João Cabral, que mesmo sendo graciosos, certamente assim não se reconhecem.
Eu não tenho nenhum talento para as piadas. Aliás, tenho andado atrás de um talento. Quem tiver algum aí sobrando, que me empreste, se não lhe fizer falta, pois percorrer jornadas atrás de um talento a estas alturas do campeonato não tem a menor graça.
Há uma dose certa de cerveja ou vinho que me deixa um pouco engraçado, eu sei, mas tem que ser uma dose certeira, milimetricamente medida. Um pouco a menos, sou um avoado e por vezes me irrito facilmente, um pouco a mais e me amua o olhar. Assim, para desenvolver o talento da graça , além de beber com alguma freqüência, precisaria beber com muita precisão: outro talento que não possuo.
Devo esquecer esse talento, o de fazer rir. Talvez devesse desenvolver outro; o do melodrama. Almodóvar faz melodrama e ao invés de fazer chorar, faz rir. Ou não é assim em todos os seus filmes? ...aquelas mulheres todas com caras, roupas e jeito de travesti, maquiagem carregada, são tão infelizes, mas tão engraçadas.
Almodóvar bem que poderia ter nascido em Sevilha, mas não, nasceu em La Mancha.
Alguém sabe onde fica esta cidade? Eu não, só sei que não deve ser bom o meu prognóstico. Acho João Cabral e seus “compreende?” muito graciosos e gosto especialmente de vê-lo falar “gracioso” e certamente quem nestes dias gosta desta palavra, só pode ter perdido a graça definitivamente.