Não nos conhecíamos, não cruzamos as mesmas ruas, não pisamos o mesmo solo europeu, não vivi em tua Hannover , nunca fomos apresentados e é bem provável que nunca o teríamos sido, mas a sua atitude me deixou perplexo, como é de se ficar perplexo sempre que um jovem vencedor decide deixar de viver.
Quem me conhece sabe que pouco conheço do futebol, sua paixão, mas o que sei é que esta paixão não foi suficientemente arrebatadora para prolongar sua jornada ou talvez ela não tenha sido a única ou, ainda, a maior. A depressão figurará nos atestados como motivação, a única motivação, já que outras motivações não te acompanhavam na vida. “A esperança em recuperar desvaneceu-se” – disse-nos sua jovem esposa, mas nunca saberemos - mesmo os que tiverem acesso a tua carta de despedida - que peso teve a pedra sobre teu ombro de Sísifo e com que voracidade o corvo picava o teu fígado.
Nós jovens nos identificamos, teu drama é familiar, ou porque desejaríamos ser o atleta, ou pelo desejo de um final, ou porque quando não é o desassossego é o tédio que nos aborrece, e não adianta ir ao cinema, fazer sexo, ouvir Bach ou descer até Porto Alegre, ao litoral. Poemas de Rilke não nos confortam. Só um fim nos basta e este foi o fim que escolheste, que é o estranho fim de “não mais habitar a terra, não praticar mais os costumes recém-aprendidos, não mais conferir às rosas...”
Alguns te dirão covarde, mesmo diante do diagnóstico de que teus neurotransmissores se rebelaram. Eu te julgarei pertencente à estirpe dos mais corajosos, pois quem não teme a própria morte, temerá o quê?
Poucas vezes o vi em atividade no campo de futebol, sob os travessões e entre as traves do gol. No entanto, nas poucas vezes que te vi na tevê por assinatura de um amigo aficionado pelo Campeonato Europeu e mesmo nos vídeos do Youtube que a ti prestam tributo, percebi seus olhos e lá no fundo uma fagulha de azul fosco quase que se extinguindo. As torcidas vibrando logo após a sua última espetacular defesa – estarias na Copa! - e tu seguindo pelo gramado verde, em direção ao seu ponto de partida, a bola sob um dos braços e aquele amuo no olhar.
Nada mais me intriga, no entanto, que o modo. Tinhas os préstimos da beleza, do poder e da riqueza. Poderia ter dado uma festa com prostitutas em um hotel de luxo, muita bebida, cocaína e por fim uma overdose. Poderia ter jogado o carro esporte de 500 mil euros contra uma árvore e escolheste a estação e a linha de trem, logo no mês em que uma bêbada caída na linha foi salva pelos anjos da guarda dos bêbados e um bebê sobre os trilhos foi salvo por ser tão pequeno.
O que pensaram os condutores da composição vendo tua ronda na gare? Uma viagem... um passeio ao interior da Alemanha?
O que pensaram os condutores da composição vendo tua ronda na gare? Uma viagem... um passeio ao interior da Alemanha?
Temos que admitir meu caro Bob – se é que assim posso lhe chamar – há certa coerência na tua escolha; a estação. Afinal, há na vida, seja para qual o fim, oportunidade mais sedutora do que um trem vindo ao encontro e uma estação? Penso eu, humildemente, que não há.
Uma estação é sempre um bom começo.