domingo, 25 de janeiro de 2009

Sombra inefável.

Mario Cladera, escultor uruguaio, está expondo na Galeria Gerd Bornheim em Caxias do Sul. Fui à abertura, na última quinta-feira e o conheci. Quando botei o olho em algumas de suas peças tive a sensação de estar olhando para Vasco Prado, aquele que fez o Negrinho do Pastoreio, do Parque Neyta Ramos. E estava certo sobre a influência, já que ele estudara com o mestre.
Inteligente, erudito e com um ótimo senso de humor, Mario, ficou o tempo todo cercado de admiradores. É casado com uma porto-alegrense, Ana Luíza, esbelta, simpática em seus cabelos descoloridos como os de uma replicante de Ridley Scott. Moram em Porto Alegre já há alguns anos, mas a marca do pampa está representada em parte de sua obra.
Discorrendo sobre estas marcas gravadas em nossas almas fomos longe, galopeando o horizonte de nossa territorialidade comum, e avançamos até Morosoli, Paco Espínola e os Marios - Arregui e Benedetti. Para ele, ser de Alegrete, da fronteira, não é suficiente para conhecer os contistas uruguaios, então tive que puxar pela memória para descobrir a origem de minha familiaridade com as letras cisplatinas. Ana, formada em Letras, reiterou a posição do marido. Lembrei apenas de ter ouvido uma argentina chamada Nacha Guevara, cantando “Te quiero”, uma canção de Benedetti, apresentada a mim pela amiga Leila Almeida, que tem um pé no Uruguai e outro cá. Os outros vieram na carona e ancoraram de vez após a entrevista que fiz com Sergio Faraco, que traduziu boa parte daqueles autores.
Ainda sobre a vida do artista soube de sua educação francesa; perguntou-me parlez-vous francais? – Claro que não! Mas fui aluno de Martine Cotin e é isso com a França além de uma predileção pelo personagem Julien Sorel e pelos filmes de Luis Malle.
Por fim, depois de bebermos espumantes e cervejas, revelou-me que esculpira há pouco um busto do prefeito Pillar, que guardará como esfinge o Centro Administrativo que leva seu nome. Fui forçado a lembrar das palavras de Décio Freitas sobre o monumento a Julio de Castilhos na Praça da Matriz em Porto Alegre, para ele um corolário ao totalitarismo. Está certo que o monumento ao prefeito Pillar é apenas um busto, não tem a grandiosidade e suntuosidade positivista da homenagem a Castilhos, mas em nenhum momento deixei de lembrar da abominável sentença, atribuída a Comte, inscrita em sua base "os vivos são, sempre e cada vez mais, governados pelos mortos”.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009